9 de março de 2017

Triste

Nasce uma poesia triste
Uma lágrima
Um lamento
Cada vez que uma criança é morta
Pela fome
Pelo segurança do fast food
Pela ganância
Pelo descaso
Da elite política

Nasce uma poesia triste
Um vômito
Uma revolta
Cada vez que um travesti é espancado
Sim, um travesti
Esse ator social
Que ri e fala e debocha
Na cara da burguesia
Sobre diversidade
Sobre estar no submundo
Por falta de opção
Sobre autenticidade
Sobre coragem
De se dar, desnudo
A um mundo
Sem coração

Nasce uma poesia triste
Um grito abafado
Um choro entalado
Cada vez que uma mullher é arrastada
Morta ou viva
Rica ou pobre
Aos cachorros
Aos homens
Aos padrões castradores
E é usada
Manipulada
E é estuprada
Por uma sociedade infame
Deixando um filho, mudo.

#habibs #elisasamudio #claudia #poesia #litapoesia #litapoesia

5 de março de 2017

PÉS VIRADOS

PÉS VIRADOS
Por Lita Sahun

Ah esses monstros. Quando mais fujo, mais me pertencem.
Ah esses monstros, minhas sombras, meus demônios, minhas vergonhas.
Quantas vaidades escondidas nos armários da minha vida.
Quantos fígados, rins, esôfagos podres...
Ah esses monstros cheios de olhos cegos e egoísmos. Amarrados à minha imaturidade. Colados.
Ah esses monstros medrosos e irados, frágeis e agressivos.
Ah esses monstros estúpidos de mim. Amarrados ao meu presente desde o passado. Descontrolam-se imaturos e débeis.
Ingênuos, coitados, criam expectativas irreais.
Estão de trás para frente. De pés para trás.
Ah, esses monstros mesquinhos e preconceituosos! Infantis e jocosos.
Ah, esses personagens monstruosos abortados no passado! Vitimados e estropiados. Julgando. Invejando. Guardando, medrosos, seus bagaços.
Ah, esses monstros arrastados!
Sou um beco sem saída. Cercada por mim mesma grunhindo e arranhando e gemendo e gritando com meus pés virados.

#litasahun

3 de março de 2017

O significado de confiança

O SIGNIFICADO DE CONFIANÇA
Por Lita Sahun

Hoje vi um bebê ir em direção ao brinquedo de outra criança. O ato foi tão vívido e cheio de energia, que não pude deixar de olhar. A mãe cambaleou na falta de equilíbrio e saiu trocando as pernas na tentativa de amenizar aquele louco e verdadeiro impulso.

Fiquei hipnotizada por alguns segundos assistindo àquele filme engraçado. E motivacional. Mas porque motivacional? Por que tive vontade de ter aquela verdade novamente. Aquele foco que as criaças têm na realização de seus desejos. Fiquei pensando em quantas vezes ponderei tanto, duvidei, titubeei, me preocupei com consequências irreais, com a opinião dos outros. Fiquei pensando em quantas vezes temi.

Ponderar é importante na realização de um projeto. Mas a pureza de quem acredita e vai, pode e deve predominar no  percurso da nossa vida. E porquê? Só pelo fato de que essa pureza genuína, de cada impulso, carrega toda a força do que não vemos, do que não sabemos, da energia sublime da criação, das energias sagradas, do movimento universal...

Como uma cachoeira de acontecimentos ininterruptos, os pequenos não ponderam. Eles e as cachoeiras não ficam racionalizando. Eles só confiam. Sem nem ao menos considerar o significado do que seja confiança.

3 de fevereiro de 2017

Especial



Andei pensando...
Não quero parar de dar aula, mesmo sendo um trabalho tão cansativo.
Ontem me "caiu essa ficha". 
A escrita é "minha cachaça" no mundo. Dar aula é minha fonte de aprendizado.
Ontem, conheci mais um aluno. Início de ano é assim: alunos novos, novos desafios. 
E porque me "caiu essa ficha"? Esse aluno é especial... Queria me contar coisas. Me mostrar coisas. Me distrair. Me ensinar, mais que aprender. 
Esse aluno é especial. Todos eles são, pela inocência que carregam, pela pureza, pelo que me ensinam diariamente. E esse é mais um anjinho na minha rotina, que precisa de ajuda, de acompanhamento, de paciência. Com isso, desenvolvo meios de gerar calma. Criatividade. Compaixão. Um didática interessante, diferenciada. Eles sempre me tornam alguém melhor. 
Não quero parar de dar aula. Porque lá estava eu, sentindo o mesmo amor que sinto pelo meu filho. É sempre assim. Ganho muito. Muito mais do que doo. 

18 de outubro de 2016

Ah o poder! Tão demodê! 
A cadelinha daqui de casa está acima do peso, e a solução que encontrei foi caminhar por algumas quadras, todos os dias, com ela. Mas, por mais que eu tente evitar, começo a refletir a respeito da coisa em si, a cada puxadinha na coleira. Lá estava eu, caminhando com meu "pet", e um constrangimento me tomou. Senti-me como o maridão regulando a mulher, dele. Senti-me, sorrindo e feliz, em uma fotografia ao lado de um tigre dopado. Vi-me levando as crianças a um zoológico, no sabadão. Ou filmando um peixe se debatendo no anzol. Senti-me na frente de um bife sangrando. Senti-me poluindo. Desmatando. Senti-me enquadrada. Totalmente alienada pela ilusão do poder. Lá estava eu, passeando com meu pet. Um lindo retrato da domesticação.

"Os animais existem por suas próprias razões. Eles não foram feitos para humanos, assim como negros não foram feitos para brancos ou mulheres para os homens." Alice Walker 

14 de outubro de 2016


De tantas outras formas, preferiu a mais sinuosa. Optou pela complexa, a mais cara, a mais escura, a mais dificultosa. Se fosse resolução de prova, algo milimétrico, se é que se pode medir, haveria de ser planejado na ordem autopunitiva das questões mais quadradas às mais redondas. Das questões mais arrastadas ao mais leve e delicioso fim de tarde. Dos números frios à quentura das palavras. Do som estridente do liquidificador à música mais deleitosa do extremo gozo. Do mais penitente soco para, em caráter crescente, o mais carinhoso abraço. Do labirinto febril ao frescor da beira mar.
De tantas outras formas, preferiu tropeçar antes de mais nada, como se houvesse opção.

13 de outubro de 2016

Latia de vez em quando. E comia. E dormia...
Enquanto eu buscava a felicidade a todo custo pelos corredores ilusórios das relações humanas, do labor culinário quase exitante, dos prazeres vãos... Enquanto eu escrevia, ou amargava as notícias do momento político, ele latia de vez em quando, levantava sempre a pata para urinar (mas só mijava mesmo e eu procurando as palavras) e abanava a cauda, inclusive para o vento. Sim, para o vento.
Enquanto eu me estudava para saber mais de mim mesma... Investigava cansativamente sobre como elevar as energias... Me planejava para um futuro nada mais que imaginado. Via um filme biográfico. Lia um romance psicografado, observando calada cada expressão de um machismo velado... Enquanto eu carregava o peso da minha mente... Ele ironicamente comia e dormia e roncava. E era. E estava... No maldito estado pleno de felicidade que eu invejava. Ele latia de vez em quando, eu olhava.
Enquanto eu lembrava de um passado morto, chorava um erro torto, dividia-me perdida na dualidade, tentava ver além do visível... Ele, petulantemente, nem pensava. Via, inteiramente, o gato que passava, ouvia, com o todo o corpo, um som lá de fora... e depois esquecia em simples desapego. Ele deixava...
Muito mais do que eu, ele meditava.
Enquanto eu me masturbava mentalmente, ele só gozava.
Jamais seria, aquele cão, atordoado ou manipulado por pensamentos egoicos pois tinha, o tal, a felicidade que eu sublinhava no livro de ouro do Dalai Lama.

9 de outubro de 2016

Vamos por partes
Assim
Devagar
Que meus instintos
Andam rotos
Lentos
Jogados
Vamos por partes
Por partes
Que meus tatos
Todos
Arrepiados
Jogados
Vamos por partes
Assim
Devagar
Que meus sentidos
Andam
Despertos
Demais
O caos das sensações
Amorfas
Mora hoje
Em mim
Vamos assim
Por partes
Que cada pedaço
Não se limita.
Sem começo sem fim, sou.
Mas vamos por partes
Que as sensações
São pertinentes
Na baixa luz
Na lentidão
Apaga o sol
Só por hoje
Ou enquanto houver sono

#litapoesia

4 de outubro de 2016

Estar no meio do caminho
Sentir as possibilidades
E seguir
Ser o processo
Fazer parte
Não pontuar.
O barato total
É a viagem
O imaginário do que haverá de ser,
Sem forçar.
O desapego do que não voltará
O ar entrando na narina
A vida fluindo devagar
Olhar ao redor
Se reconectar
E ter certeza de que há algo maior
A te direcionar

#litapoesia

25 de setembro de 2016

Era um escritor que não dizia mais, não escrevia. Descobrira que não tinha as respostas das suas questões, e que jamais pudera responder a nenhum questionamento de outrem. Decidira então escrever em silêncio até que pudesse dizer algo com suas palavras. Algo que realmente fosse dizível. Algo que realmente falasse, esmiuçasse o que há de resposta nas perguntas. Estava em pleno silêncio do jamais dizer, do não escrever, do somente ouvir, do meramente ser. Ser. Enquanto caiam os pingos da chuva. E a chuva se foi. E os dias se puseram. E as noites adentraram...
Os textos passavam por si em desalento, ele não os tomava. Orações, frases, palavras das grandes, pequenas palavras... Por fim, viu algumas letras passando e poucas expressões de alívio exclamativo... Nada pegava pra si. Nada o tomava. Esteve o escritor no mais puro silêncio da escrita muda.

#litasahun
#litapoesia

21 de setembro de 2016

O que limita?
Rótulos limitam
Vaidades limitam
Crenças limitam
Controles limitam
Vícios limitam. Competição...
Seguranças limitam. Inseguranças...
Julgamentos limitam.
Horários limitam
Prazeres limitam
Paixões, desejos limitam
Memórias limitam
Planos limitam
Promessas, contratos limitam...
Medos limitam
Paredes limitam. Muros.
Certezas limitam. Incertezas...
Apegos limitam
O que limita?
Limites limitam

19 de setembro de 2016

Não. Não sou.

Tenho estado mãe
Mas não sou
E nem sou filha de alguém
Só estou
Tenho estado professora
Mas não sou
Tenho feito poesia
Mas não sou escritora
Não sou
Tenho sido atriz
Mas não sou
Não. Nem estou.
Tenho estado no Brasil
Desde sempre
Mas ele nem existe
É um ínfimo limite
E me vou
Não sou isso
Não sou aquilo
Mas estou
Tenho estado na matéria
Mas me vou
Estou aqui na Terra
Estudando
Mas daqui não sou
Só estou
Em viagem
Em andança
Em missão
De passagem
No caminho
Em processo
E me vou.
As minhas dores
Libero
As minhas flores
Morrerão
E, ilimitadamente,
Nasceremos novamente.

18 de setembro de 2016

Pela efemeridade do palpável
Pela fragilidade da matéria bárbara
Pela bruteza do tangível
Pela carga pesada do banal
Pela visão vendada
É que evaporo
Sou sublimação
De mim
Para o todo

13 de setembro de 2016

No exercício da coragem, iniciava a jornada. Deparou-se consigo mesma em vários momentos. Em alguns estranhamente não pôde se reconhecer. Em outros deparou-se com uma intimidade tão real que também não se reconhecia. Por sorte, a jornada ainda estava em seu frágil começo. Continuou, apesar da vontade de voltar. 

Viu a vulnerabilidade e quis levá-la consigo apesar de estarem à beira de diversos precipícios. Deu a importância necessária a ela. Jamais a ignoraria. Estavam parceiras desde sempre, mas quis olhá-la nos olhos como nunca. Seguiram.

Encontrou cada um de seus defeitos e guardou-os como uma mãe zelosa na espera que se desprendessem dela no momento certo. Aceitava-os sem pressão. E isso era tão novo... Gostava do novo. Aceitava as possibilidades mais remotas.
Deparou-se surpresa com um caminho de pedras. Eram as cobranças em ser isso ou aquilo. Resolveu ignorar de uma vez por todas. Seguiu pela grama. Descalça. E sorrindo. Foi quando encontrou o amor. Por si mesma. Ah... quanto carinho! Quanta vontade de saber mais e tocar seus próprios abraços! Descobriu uma amizade íntima entre ela e ela mesma. Alegria em ser sua própria companhia por tantos anos. Viu suas mãos, seus pés, seus corações. Eram tantas elas dela mesma... Nesse momento da viagem, ficou bela. Absurdamente bela. Suas células rejuvenesceram. Quem passava tinha contato com a mais pura beleza energética da auto-aceitação. Seguiu pela grama e tinha a seus pés a representação da plenitude pelo simples fato de ter escolhido o caminho da diversão. Lembrou que a vida não precisa ser levada tão a sério.
Seguiu na jornada como em um parque de diversões. Reconheceu alguém. Se aproximou e viu a criatividade. Solta. Louca. Emaranharam-se no gozo da libertação. Ideias brotavam de seus poros. Realizavam-se sem pudor em todos os âmbitos de sua vida. Estava livre para criar e ser a mais pura realização de si mesma.
Seguiu... no que ainda era somente o seu começo.

3 de setembro de 2016

Estamos diante da morte

Pensou em olhar igual, de forma habitual, indiferente, de maneira que não chocasse ou afastasse.
Não conseguiu. Não conseguiu pelo simples fato de que não queria. Seu impulso primário era de quem olha querendo ver. Querendo entrar. Fazer parte. Se alimentar. Meter no pão com manteiga e mastigar.
E já não tinha idade para os personagens. Os jogos cansam. São sacais.
Queria tocar sem ter de esperar. Queria viver como se fosse logo morrer. Mas isso é desespero! Não, não é. É reconhecimento. É valorização da conexão. Da vida que corre em maratona. E pra ganhar.
É correr para ver o balão. Se jogar na lama pela pipa avoada. Ser inteiro por cada metade. Mergulhar.
Poderia agir como se fosse banal. Mas não era uma opção. Entrou naquele metrô na obstinação do olhar com a calma de um gato que entra no quarto devagar. E absorve cada detalhe... do lugar. Deixa nada passar. Sucumbe com o corpo todo cada energia do estar. Sabe que a importância de cada vida é imensa porque a morte há de chegar.

2 de setembro de 2016

Palavras

Ah... mas coitada da palavra!
Que mania de quererem que ela diga.
Que ela represente
Que ela explique o inexplicável
Que ela ressignifique o esvasiado
Que ela preencha o calado
Deixem-na muda, ora bolas!
Não diz nada, a pobre.
Quem diz é o sapiens
O grande homem
O sapiente...
E diz sem palavras, garanto
Sente, e, mudo, já diz
Caminha somente, e já vai
Anseia, e basta
Deseja, e pronto
É portanto, e fim.
Libertem-na então
E deixará, a palavra,
de dizer as mentiras que a impõem
de pontuar
de protagonizar verdades passageiras
de assinar
documentar
ofender
assassinar
Libertem-na então
Palavras não traduzem nada
Palavras são só poesia

27 de agosto de 2016

Vamos sair pra dançar?

Qual o sentido real?
Acordar, dormir, respirar...
Qual o significado?
Alimento envenado
Povo escravizado
Dinheiro lavado
Há um porquê?
Congresso infectado
Onde chegaremos?
Acordar, ir malhar...
Vamos a algum lugar?
Vamos sair pra dançar?
Tem hormônio no leite da criança
Tem mentiras nas meias verdades
Tem fome e esgoto no ar
E debaixo dos panos, o que há?
Nascer, reproduzir, ir à Disney, morrer...
Tem criança ferida
Tem guerra e divisa
O que há?
Fazer pós-graduação, casar...
O que eu quero fazer?
Trabalhar, comprar, ver tv, trepar, rezar
Dá pra voltar?...
E jamais nascer?

21 de julho de 2016

Desapego

E então eu ouço as minhas músicas, penso as minhas coisas, me amo.  Me exercito o equilíbrio, me exercito o corpo, o peito, o espírito. Por vezes desprendo-me do palpável e des-desejo. Des-prendo-me...
E então eu volto. Olho a praia, faço minhas fotos, meus rabiscos, meus planos. E então visualizo. Eu sinto a poesia, me escrevo, me toco. E então planejo minhas aulas, seus objetivos, meus objetivos. Me amo mais um pouco e me reconheço. E então eu faço meus horários, meus planos, meus mapas. E então eu brindo a vida, sinto seus sabores, seus beijos. E então observo cada movimento do espaço ao meu redor. E então eu aprendo a cada aula. E eu aceito a manifestação do agora, das fases da vida, da matéria. E então fundo-me à beleza da transformação. Transcendência. Sou puro aprendizado. E então me amo mais um pouquinho. Subo. Distancio. Amplio. Vejo-me como a mais pura representação da divindade que toca a matéria.

17 de julho de 2016

15 de julho de 2016

O gozo de todos os céus

Fico te desejando
Insistentemente
Sem que haja intervalo de tempo
Ou um descanso qualquer
Acendo um cigarro
Vou à janela
Levo um café
Mas carrego no peito
Essa batida incessante
Que é a porta grande
Do meu sentimento
Insistente
Relutante
Incoerente
Tenho em mim
Algo de obsessivo
Que me faz rir
Enquanto espero passar
Essa que é a mais sufocante
Das missões
A mais delirante
Das contradições
A pura loucura 
De todas as paixões
Essa que deseja com ira
De verdade ou de mentira
Os gozos de todos os céus
Na mais pura medida
Por detrás de todos os véus




8 de julho de 2016

Poesia é mais ou menos o que a gente sente quando o céu explode em estrelas e as árvores ventam a noite.
Poesia é melancolia também, tipo quando a gente sente um vazio do que já foi cheio.
 Aquela vontade de voltar a um lugar onde já estivemos, mas não lembramos quando ou onde.
Poesias são perguntas. 
É aquela inquietação de intuir as respostas que levam à outras perguntas
 e o tempo se torna curto demais para tanta eternidade.
Poesia não é só verso.
 Poesia invade o peito da gente.
 Invade a prosa.
Poesia é o tamanho do mar e a nossa maresia fica do tamanho dessa poesia.

(foto de querendosemquerer.tumblr.com)

7 de julho de 2016

Disse 'Gosto do seu jeito calmo'
E se foi
Gosto do seu jeito calmo
Seu jeito calmo
Calmo
E se foi
Tocou em meu espírito
E se foi
Viu-me além de mim
E toda turbulência
Inaugurou-me novamente
Reinaugurou-me de mim mesma
E se foi
Abrindo espaço
Ao vácuo alucinante da criação universal
Abriu-se o etéreo diante de mim
O insípido, o inodoro, o incolor
O surdo, o mudo, o tremor
Pude me ver novamente
Desnuda das ânsias
Da buscas
Das bruxas
Das correntes
Desnuda da pressa
Do fogo astral
Da turbulência
Desnuda dos mitos, dos ritos
Desnuda dos gritos
De prazer ou dor
Gosto do seu jeito calmo
Vi-me
Sem tocar
Sendo
Sem olhar
No intervalo de cada pulso
Deparei-me com a eternidade


6 de julho de 2016


Meus olhos te veem
Começa o processo
Me falta o ar
Ou vem em excesso
Minha pele quer
O que não confesso
Sinal vermelho
Eu atravesso


3 de julho de 2016

Enquanto o tempo vai passando
O mundo vai girando
O Universo vai pulsando
As flores vão nascendo
Os amores vão morrendo
O mar vai batendo
O eterno se fazendo
O abismo se abrindo
A mente enlouquecendo
A paz se escondendo
O grito ecoando
O eco gritando
O infinito se alongando
A culpa se fazendo
A dúvida crescendo
Enquanto o sangue vai escorrendo
A fome vai crescendo
A luz apagando
O escuro acendendo
As nuvens se movendo
O vento uivando
Eu  me esmorecendo
Os carros vão passando
As roupas vão mudando
As crianças vão crescendo
Os ensinamentos se transformando
O gelo se derretendo
O frio diminuindo
O calor aumentando
Eu me automatizo perguntando
O que sou? Como vou?
Enquanto minha mão se move
Meus joelhos se dobram
Minha mente ouve vozes silenciosas
Minha boca fala o que não penso
Minha mente pensa o que não sou
Meus olhos veem o que não sei
E o sol vai se movendo
Assim tão parado
Como eu, na ilusão do movimento
Do questionamento
Enquanto as respostas vão surgindo
As perguntas vão crescendo.
E o coração inexplicavelmente
Vai batendo.














27 de junho de 2016

Ventania curiosa
A cada viagem
Estrangeira de si
Vastos lugares
Exílio criativo
Mente ampliada
Tempo veloz
Cabeça virada
Súbitas línguas
Outros sabores
Paixões volúveis
Grandes amores
Noite fria
Sublimes flores
Inconstância
Tardes quentes
Outras línguas
Diferentes
Mitos desfeitos
Tanta gente
Culturas opostas
Saudades ligeiras
Breves respostas


19 de junho de 2016

13 de junho de 2016

A menina que queria ser livre






Uma menina tão bonita
Assim toda suja?!
Ué o que que tem?
Estava jogando futebol!
Mas isso é coisa de menino, ora bolas!

Julinha ficou pensando
Será mesmo?

Uma menina tão crescida
Brincando assim no chão?
Fecha as pernas, oh menina
Não tem educação?

Julinha ficou pensando
Será mesmo?

Uma festa de princesa
Um quarto cor-rosa
Modos de boneca
Come pouco senão engorda!

Julinha pensava pensava
Não entedia como o mundo funcionava
Gostava mesmo
Era de subir em árvores
Queria soltar pipa,
Mas ninguém lhe ensinava

Julinha pensava
Julinha pensava

Um dia, Julinha corria pelo quintal
Menina venha cá!
Já pode ajudar na limpeza da casa
Já pode ajudar no fogão
Julinha ficou feliz
E chamou logo o seu irmão
Ora bolas Julinha
Como assim?
Isso é coisa de menina
Não faça confusão!
Ué mas ajudar é sempre bom
Quero mostrar ao meu irmão
Ah menina que ingênua!
Menino não entende disso não!

Julinha pensava pensava pensava
Será mesmo?

Seu irmão corria alegre pelo quintal
Quando caiu e machucou a mão
Ei menino, para de chorar
Levanta logo desse chão
Isso é coisa de menina
Ficar chorando como um bobão.

Julinha pensava pensava
Não entendia como o mundo funcionava.
Queria ser livre como seu irmão
Correr solta pelo mundo
Sem ninguém lhe chamar atenção


Livre?

Mas seu irmão, coitadinho,
não podia nem chorar
Julinha gostava de chorar
E expressar sua emoção
Teve pena de seu irmão
Quando entendeu
Que nem ele tinha liberdade então

Julinha pensava pensava
Não descobria a solução
Para encontrar a liberdade
Liberdade minha
Sua
Nossa
E também de seu irmão

2 de junho de 2016

29 de maio de 2016

Mulher, sua valente!
Quanta coragem vir assim
A esse mundo
Nesse estado de fêmea
Quanta audácia, Mulher!
Lançar-se aos lobos
Carregada dos hormônios
Em suas carnes.
A mercê da fome
Que cobiça o poder.
Quanta ousadia vir assim
A um mundo animal
Onde respeito
É lição não aprendida.
Onde o instinto 
Fala mais alto que o amor.
Que horror!
Que coragem, Mulher!
Aceitar a missão
De dar a luz a seus algozes.
Que audácia, Mulher!
Suportar a dor do parto
É quase uma afronta
Entre alguns fracos.
Que tenacidade, Mulher!
Passar assim por cima do medo
E não parar.
Que perspicácia é essa...
Vir aqui pra ensinar!
Que coragem, Mulher!
Carregar essa missão
De ser tão contraditória
Carregando o sim e o não.
Que ousadia essa mistura
De força e fragilidade
Que carrega na mão!
Mulher, que ciclo é esse 
De ser, hoje, tão normal
E, amanhã, tão abissal?
Mulher, ouça bem,
Qualquer domínio
Que vier lhe pesar
Tem a ver com a inferioridade
De quem quer lhe sobrepor.
De quem tem medo de perder
De quem quer competir
De quem só quer ganhar.




16 de maio de 2016

Fui eu!

Perdi um aluno hoje. Não, ele não morreu. Eu é que me sinto meio morta, meio fracassada. Ele não quer mais. Passou um bom tempo inventando desculpas para não estudar, adiando as aulas, fugindo. Ele é bem o tipo inteligente que odeia estudar. Puxava outros assuntos durante as aulas, me contava coisas interessantes que lera, histórias engraçadas pelas quais passara. Levantava para dar carinho ao cachorro, para beber água, atender ao portão... Qualquer coisa era motivo para não estudar. Fico pensando no que acontece em relação a esse sistema de ensino tão maçante. Quantos deveres de casa! Tantos assuntos fora do contexto dele. Tanta competição!
E como ele precisa de ajuda! Notas baixas, deveres por fazer. Erros nas tarefas, muitos erros... daqueles que denunciam a total falta de interesse por aquilo tudo. E eu fracassei. Ao invés de aliviar seu drama, talvez tenha só estendido a tortura que já começa na escola. 
Ele mora em um vale. Lindo! Um dia me contou em tom de segredo que ali houvera sido um cemitério de índios e que vários deles estavam mortos debaixo dos nossos pés. Fascinante! Não só a história, mas a maneira com a qual se comunicava comigo. A língua portuguesa era toda dele. Se expressava naturalmente, mas a gramática normativa era um código oculto. Contar histórias era mágico, mas passar para o papel ainda era torturante. Não se rendia às obrigações da língua. Não interessava se uma oração precisa começar com letra maiúscula, desprezava qualquer regra, pouco se importava se água se escreve com q ou g. Um rebelde fascinante. Um subversivo que se escondia no armário quando eu chegava. Eu juro, por toda ludicidade do mundo, que tentei. Por toda didática. Pelo Paulo Freire, eu tentei. Mas não foi suficiente.
Não vou esquecer dele, nem das lições que me deu, de tudo que me ensinou. Um menino. Só um menino, que me encheu de dúvidas, que me fez repensar meu trabalho. Me fez pensar sobre o nível evolutivo da humanidade e no sistema de ensino, tão falho, que brota dele... E que ainda assim, tantos jovens estão agora ocupando as escolas! Querendo estudar! Apesar de tudo...
Foram 3 meses. Para mim! Eu quem aprendi. Eu ganhei as lições! Eu! Eu fui muito mais ajudada do que pude ajudar. A aluna fui eu.

15 de maio de 2016



Levantei primeiro e meu corpo quis ficar. éramos duas. Divididas em partes desiguais. Olhei para mim mesma. O que fui era só um corpo. Molhado. Afogado. Olhou-me para mim. Pura matéria. Via sem olhar. Éramos duas. Eu, fluidez. E eu, solidez. Eu, liberdade. E eu, prisão. Eu, de asas. E eu, de casas. Tivera cor antes. Agora via um quinto... ou menos... do que sou. Via um pouquinho de mim. Demo-nos as mãos. Eu e mim mesma. Com carinho, voltei a dormir. E assim permaneço agora. Na matéria da ilusão. Na ignorância de não me lembrar de todo o resto de mim, que se perde em não ser. Fico na espera de me ter novamente, enquanto não sou. Ficam no armário tantas das ilusões das memórias das antigas das paixões das perdas dos precipícios da amnésia inundada de um mar que me arranca os sentidos e me prende em não me desvendar. Afogo-me nas não-respostas.


14 de maio de 2016



Posso sempre voltar ao deserto meu. Quando é tortura, quando não. Volto por bem, volto por mal. De tantas areias, de todos os grãos, incontáveis são as palavras que me formam. Tenho sede. A secura em dizer o indizível. De imaginar o inimaginável e desenhar com a sede as minhas loucas inundações. Tenho sol. Queimo por não dizer. Queimo por não calar. Cada palavra me esquenta, mas não posso evitar. Estou cansada. Ando mais sem rumo do que quando sei o caminho. Quando sei, paro. Não ando mais. Meu rumo é norte. Amanhã já não sei. Já não sinto. Sou pura insistência em não me ter. Sou resistência. E me queimo. Meu sol não me aguenta mais. Está quente quando quero. Está frio. É noite. Todos os meus frios me envolvem. Agasalho-me de vazios. De todos os ventos que encontro, sou tempestade. A noite é longa. O meu deserto é vasto. O meu eco é surdo. A noite tem tantas estrelas quanto o vazio. O brilho é meu. E me cega. Não me vi nunca mais. Amanheço e novamente me esqueço. Posso sempre voltar ao deserto meu. Volto por bem, ou por mal. Já sabia da ventania. É revolta de areia. Vento cruel. Em todos os meus rostos. Nenhum sabe do outro. Somos areia e nada poderá nos salvar. Posso sempre voltar e desvendar cada deserto, de tantas areias, de todas as noites, de tantas estrelas. Cruel vastidão. O tamanho é só solidão.


11 de maio de 2016

O que há de poesia em mim
Passa pela mania louca
Magia rouca
De ser quem se é,
Sem saber onde se está,
Mas querer descobrir
Mesmo que devagar

30 de abril de 2016

Hoje não quero me ver
Cansei de não ser nada do que sou

Hoje não quero me ver
Cansei de não ser

3 de abril de 2016

Soterrada por futilidades
Afogada em esmaltes
Enganada
Errada
Ensopada pelo que não confessava
Desacreditada
Consumia o que não queria
Acreditava em fantasia
Aprisionada
Bêbada e apolítica
Sobrevivente do que não entendia
Manifestada no que não queria
Endividada.
Maquiagem borrada
Um romance qualquer
Na página exata
Algumas células tortas
Outras cédulas mortas
Varizes entupidas
Estilo fora da moda
E uma garrafa de aguardente
Enquanto não for embora

28 de março de 2016

Você é um pulo quando se quer pular e nada mais se quer fazer. Você é a sede um pouquinho antes de ser saciada. É a boca molhada. É um ponto-vírgula na poesia cansada. Você é um não quando talvez. Você atravessa todas as minhas ruas enquanto bate um vento e meu cabelo me esconde a visão em meio ao frescor e balançar das horas leves. Me atropelo. Você é uma abelha. Uma água viva. Você é a pior paz. A maior abstração da guerra. Você é quando eu subo uma montanha. Você é quando eu tenho cãibra. Você é o meu dia de prova. Quando faz sol. Você é uma música. Uma uva quando cai no chão. Você é uma agulha da acupuntura. Você é a lama da chuva. Você é meu guarda sol.

16 de março de 2016



Um quartzo rosa
Algumas poesias espalhadas
Uma lixa de unha gasta

A cortina confusa

Um vento que passava
E alguns silêncios atrasados
Refletidos no espelho apoiado
Por um futuro indeciso
Um passado embaçado

10 de março de 2016


Eles nem sabiam
Suas almas ficavam felizes
Quando estavam juntos
E muita luz emanavam
Era tanta beleza
Eles nem imaginavam


9 de março de 2016

Transformo borboletas em poemas.
Vento, passarinho, 
Manchete de jornal
Transformo todo dia
Gente em poesia
Nada de mais, natural

3 de março de 2016

Então tá, me comprometo... E essas decisões não vêm assim facilmente, não caem do céu. Mas vêm!
Eu me comprometo! Sim me comprometo a cuidar da arte no que me couber. Me comprometo a não vender meu diamante, que é duro. É duro comigo, me faz chorar. Cobro, mas não vendo. Não vendo!


Me comprometo a pensar, todo dia ao acordar, no peso da arte, no seu brilho, que não vem da superfície. Me comprometo!

Me comprometo a não só olhar. Me comprometo a ver.


Arte não é amor, não é profissão, não é respeito. Arte é tudo isso e mais além. Arte não é teatro, não é literatura. Não, não é. Dança não é. E cinema não é. Os desenhos, o palhaço... A música não é, e a pintura... Tudo criado pelo homem, ora bolas. Homens tortos impulsionados por ela, essa coisa maior, descabida, ilimitada, sem propósito, louca. Arte não é nada. E só é tudo isso porque não é nada. E as maravilhas universais que já criou... E os pensamentos que já clareou... E os debates que já movimentou... As surpresas, a política, as lágrimas, as revoltas que decantou... fazem dela, a arte, essa entidade, que não é calma nem bravia. Observa a própria fama...ri. 
De tudo o que a arte é, uma coisa ela não é: essa ilusão covarde que pintam. Essa ilusão cor-de-rosa ou plástica ou prática. De tudo que a arte é, de todas as todas as suas vísceras, posso dizer que uma mentira, ela não é.

Educar na ilusão é desonesto. Quando se trata de arte, é vil. Quando se trata de criança, é desumano.
Não tenho as respostas! Não sei o que é arte. Só sei o que não é arte. 
Um monte de coisa não é arte! Um monte de teatro não é teatro. Não, não é arte. Digo e repito que não é arte. Já passei por elas, já ganhei delas, mas digo e posso gritar: não é arte. Já comprei tantas ilusões, e todas joguei fora. 
Me comprometo hoje e sempre a não vendê-las jamais... não espalhar por aí, qualquer coisa que não seja arte.

29 de fevereiro de 2016

20 de fevereiro de 2016

Ando por aí
Querendo colher
O não plantado
Com a poesia, não
Plantaria sempre
Sem ver o resultado

18 de fevereiro de 2016

As maritacas
De tanto que gritam
Ninguém ouve
E na permanência do som
No silêncio dos surdos
É que elas são elas

17 de fevereiro de 2016


Não, não sou o que digo.
Não somos
E nem o oposto
E nem o meio
Sou qualquer bifurcação
Sou o transversal
No paralelo