16 de maio de 2016

Fui eu!

Perdi um aluno hoje. Não, ele não morreu. Eu é que me sinto meio morta, meio fracassada. Ele não quer mais. Passou um bom tempo inventando desculpas para não estudar, adiando as aulas, fugindo. Ele é bem o tipo inteligente que odeia estudar. Puxava outros assuntos durante as aulas, me contava coisas interessantes que lera, histórias engraçadas pelas quais passara. Levantava para dar carinho ao cachorro, para beber água, atender ao portão... Qualquer coisa era motivo para não estudar. Fico pensando no que acontece em relação a esse sistema de ensino tão maçante. Quantos deveres de casa! Tantos assuntos fora do contexto dele. Tanta competição!
E como ele precisa de ajuda! Notas baixas, deveres por fazer. Erros nas tarefas, muitos erros... daqueles que denunciam a total falta de interesse por aquilo tudo. E eu fracassei. Ao invés de aliviar seu drama, talvez tenha só estendido a tortura que já começa na escola. 
Ele mora em um vale. Lindo! Um dia me contou em tom de segredo que ali houvera sido um cemitério de índios e que vários deles estavam mortos debaixo dos nossos pés. Fascinante! Não só a história, mas a maneira com a qual se comunicava comigo. A língua portuguesa era toda dele. Se expressava naturalmente, mas a gramática normativa era um código oculto. Contar histórias era mágico, mas passar para o papel ainda era torturante. Não se rendia às obrigações da língua. Não interessava se uma oração precisa começar com letra maiúscula, desprezava qualquer regra, pouco se importava se água se escreve com q ou g. Um rebelde fascinante. Um subversivo que se escondia no armário quando eu chegava. Eu juro, por toda ludicidade do mundo, que tentei. Por toda didática. Pelo Paulo Freire, eu tentei. Mas não foi suficiente.
Não vou esquecer dele, nem das lições que me deu, de tudo que me ensinou. Um menino. Só um menino, que me encheu de dúvidas, que me fez repensar meu trabalho. Me fez pensar sobre o nível evolutivo da humanidade e no sistema de ensino, tão falho, que brota dele... E que ainda assim, tantos jovens estão agora ocupando as escolas! Querendo estudar! Apesar de tudo...
Foram 3 meses. Para mim! Eu quem aprendi. Eu ganhei as lições! Eu! Eu fui muito mais ajudada do que pude ajudar. A aluna fui eu.

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