Seu texto revela a emoção e a inteligência femininas. Só uma narradora poderia escrever assim. Inclino-me a pensar que estamos diante de uma narrativa urbana "pós-moderna" --- embora exista uma marca local assaz interessante. Seu livro é o desabafo da mulher emancipada do século XXI --- com todas as dificuldades de sustentar não apenas a nova condição conquistada, mas o próprio fio da navalha que é a vida cotidiana.
De todo modo, penso que o cerne de seus contos localiza-se na questão dos gêneros: Rodrigo, Maurício, Adão, Albertinho, José e Paulo tecem um novelo de situações ora felizes, ora dramáticas (humanas por excelência), quer contra, quer a favor, com a diversidade de Maria --- das lobas, dos amores, da sobra, das estações, das dores, dos prazeres, da piedade. Aliás, a escolha das palavras e dos prenomes é sintomática: elas deixam transparecer a formação judaico-cristã e os dilemas dela decorrentes como elementos ainda fortemente presentes entre nós no século XXI.
Apreciei a maneira como você explora a linguagem e, ao mesmo tempo, a natureza do conto. Cabe à literatura e à poesia não somente contar estórias, mas engendrar novas formas e novos usos da linguagem escrita. Sua narrativa guarda silêncios preciosos. Ela nos ensina que a ficção amplia as possibilidades de entendimento do "real".
"Não
me surpreendi com a narrativa enigmática, pois, embora não convivamos, nossos
poucos encontros últimos me revelaram pistas da mulher que ela se tornou:
profunda, difícil de se pegar na primeira lida.
Entretanto,
a surpresa veio pelo tom clariceano do modo como Lita conta histórias. Ela
poderia ter escolhido outra estratégia de mistério, algo como Alan Poe. Mas,
sendo mulher, nada como os jogos de palavras para pôr e retirar véus. Percebi o
cuidado com o qual ela trata cada palavra e me encantei com as imagens ("A
mulher sentiu uma espécie de ventania na barriga"/"Saíra dali,
eu-a-mulher, chovendo-se inteira-metade"/ "... eu me vi num eco, sem
latidos, sem blues, sem Maurício..."/ "... vendi caras e
bocas"). E adorei as gravuras!
Permito-me
elogiar, algo menos importante, mas igualmente relevante numa obra de
semelhante valor: a correção ortográfica e a sintaxe incomum. Entre o erudito e
o popular, ou como prefere um amigo meu crítico literário, entre o sublime e o
prosaico, a autora também se mostra um tanto Adélia Prado, numa fina
sensibilidade feminina. Tão jovem e tão "vivida"! Tão menina e tão
mulher!
Este
seu bom êxito literário até me anima a trazer à luz escritos meus. Embora já
esteja "no início da segunda parte da linha reta", ainda me intimido
de mostrar o que vai nas entranhas. Essa coragem (linda!) não a tenho. Mas me
sinto contemplada em seus vôos sem rede.”
Gláucia Renata do
Nascimento
(Doutora em Linguística e
Professora da UFPE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário