14 de setembro de 2013

O Último Godot







Saí triste da sala teatral. Beckett sempre fez isso comigo, o universo beckettiniano me estraçalha e se Visniec não me tivesse entristecido também, não teria cumprido esse papel difícil a que se propôs: o do dramaturgo que ressuscita Beckett e Godod ao mesmo tempo. Se é que algum dos dois um dia existiu!
Existiram! Lá estavam, os vi essa noite: Godod nunca nascido, Beckett já morto... os pude ver hoje, naquela sala que foi cenário de minha tristeza teatralizada em melancolia. Nela eu ri, visto que a decadência teatral é engraçada, mais ainda para os amantes da arte. Meu riso vinha de uma gastura emocional quase cênica de quem se vestiu de teatro um dia e hoje se despe dele por inteiro... exceto pelo nariz que insiste em agarrar-se como máscara inquieta no meu rosto cansado.
A direção, através dos símbolos, uma árvore seca, um cesto de lixo, um texto morto, um vinho... ah, o vinho!... e o nariz, foi responsável por aquela maldita catarse que te acompanha do início ao final e perturba o coração de quem não pode gritar, porque ali tinha um público que queria o silêncio, aquele vácuo de quem tem um nó na barriga. Por falar em público, estávamos todos em cena, o cara da luz não perdoou e nos iluminou mesmo, a nós e a sala inteira, a caixa preta, a limpa e simples denúncia da decadência. Merecíamos mesmo tomar porrada como se propôs a fazer o querido Godot, pois um público que troca o complexo prazer teatral pelo banal, devia mesmo tomar surra de televisão na cabeça, mas Bechett nos salvou e ainda salva.
Palhaços sutis. Gosto mais da sutileza do palhaço do que da graça dele. Gosto de rir, mas de tensão, e foi o que aconteceu!

Um comentário:

  1. Maíra Kesten
    16:00 (4 horas atrás)

    Lita, que lindo seu depoimento!!!

    Muito obrigada por ter me enviado o link, vou passar a todos da equipe, eles tb gostarão, tenho certeza.
    É exatamente isso que queríamos que acontecesse e disso que queríamos falar com nós na garganta e na barriga e as vezes até sem palavras mesmo. Aos amantes da arte e se possível além.... um resgate de humanidade nesse mundo de hoje.
    Amei. Obrigada.
    Que bom que nos brindou com a sua presença. Me surpreendeu pelo tempo que não nos víamos ou falávamos, mas com os amantes da arte é assim: mais dia, menos dia, nos reencontraremos num teatro. E que boa retomada. Que bom que foi nesse, mais especialmente ainda, por ser feito por mim. Essa relação de quem faz com quem recebe é muito bonita. A gente faz pro publico, quando são amigos assim com essa identificação de historia, de vida e sensibilidade, fica mais especial e sensível ainda. E mesmo tratando da decadência, alguma coisa volta a fazer sentido na vida, por uma beleza despertada nesse processo. Mesmo que seja por nos identificarmos nesse lugar com as mesmas dores, mesmo que seja só pela comunicação sensível que já é tão rara. Então, eu tenho que te agradecer, como parte integrante desse teatro, por fazer tudo isso acontecer.
    Obrigada!

    Beijos,
    Maíra.

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