26 de outubro de 2009

Maria da lobas, das Anas Paulas

Chegara aos 40 anos e percebera o que sempre temeu, com um único consolo. O consolo de que aquela degradação era externa e viera aos poucos, concomitante à construção dos degraus que elevavam a parte de dentro do armário embutido de si mesma. Levava consigo o corpo, essa coisa que dá e passa, essa capa momentânea de chuva passageira, esse uniforme, esses braços, essas ações. Olhava as próprias mãos e já reconhecia toda uma vida em forma de marcas, olhava as próprias mãos e já reconhecia o próprio rosto.


Chegara aos 40 certa de que, se aos 30 prosseguisse valorizando tanto o espelho quanto aos 20 anos, chegaria aos 50 em profunda desesperança. Tomou pra si uma força que ainda restava, como que duplicando-a ou quase e apagou a vela. Pronto, está feito. Fechou os olhos não por um pedido ao universo, mas pelo filme, o filme único e exclusivo do seu universo, que passava na mente. Lembrou-se do dia em que deixou de levar a vida tão a sério e passou a viver uma aventura, a sua. Foi quando chegou no topo do trapézio, na ponta direita, e pôde percorrer em linha reta a sua lucidez inexata partindo lá de cima do ângulo de um pouco mais de 90.


Chegara aos 40. Chegara ao início da segunda parte da linha reta com uns desequilíbrios e algumas quedas. No início da segunda parte da linha reta, chegara aos 40.


'Não vivo como a maioria', pensava. O ser humano, publicitário de si mesmo, capitaliza-se desde a hora em que nasce até quando, em caráter final, se deita em sua cama de madeira muito ou pouco confortável dependendo da quantia de dinheiro que conseguiu arrendar durante a vida. 'Mas fiz os meus negócio$, vendi caras e bocas', sorria e pensava.


Chegara aos 40. Chegara ao início da segunda parte da linha reta.

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